Émile Durkheim (1858-1917) é considerado um dos cientistas que fundamentam a teoria do pensamento sociológico. Este autor pretendia fazer da sociologia uma ciência tão racional e objetiva quanto a Física ou a Biologia. Mas, como fazer isso, se a Sociologia lida com seres humanos que mudam a todo o momento, que tem sentimentos, emoções, ideias e vontade própria, ao contrário dos fenômenos físicos ou biológicos? Durkheim tentou resolver esse complexo problema postulando como princípio fundamental da Sociologia que os fatos sociais devem ser considerados como coisas, assim como uma reação química é uma “coisa”, para um químico, isto é, algo objetivo, capaz de ser estudado, analisado, compreendido e explicado racionalmente. Desse modo, o objeto de estudo da sociologia consistiria nos “fatos sociais”.
Os fatos sociais seriam, assim, coisas externas e objetivas, que não dependem da consciência individual das pessoas para existir. Os fatos sociais, dizia Durkheim, são maneiras de agir, pensar e sentir que podem ser reconhecidas pelo fato de exercerem uma influência coercitiva sobre as consciências particulares. Ou seja, os fatos sociais têm existência própria e são capazes de obrigar (“influência coercitiva”) as pessoas a se comportar desta ou daquela maneira.
Evidentemente, nem sempre essa coerção pode ser percebida como tal. Em muitos casos, simplesmente nos comportamentos como achamos que devemos nos comportar. Entretanto por trás dessa aparência liberdade irrestrita existem hábitos, costumes coletivos, ou mesmo regras, que nós aceitamos como válidas e nos induzem a assumir certas atitudes. Vejamos como isso ocorre.
Um exemplo simples pode nos ajudar a entender esse conceito. Se um aluno chegasse à escola vestido de roupa de praia, certamente ficaria numa situação desconfortável; os colegas ririam dele, o professor lhe daria uma bronca e provavelmente o diretor o mandaria de volta para casa para pôr uma roupa adequada.
Existe um modo de se vestir que é comum, que todos seguem (nesse caso, os alunos da escola). Isso não é estabelecido pelo indivíduo. Quando ele entrou no grupo, já existia tal norma e, quando ele sair, a norma provavelmente permanecerá. Quer a pessoa goste ou não, ver-se-á obrigada a seguir o costume geral. Se não o seguir, sofrerá uma punição (que pode ir, conforme o caso, da ridicularização e do isolamento até uma sanção penal). O modo de se vestir é um fato social. São fatos sociais também a língua, o sistema monetário, a religião, as leis e uma infinidade de outros fenômenos do mesmo tipo.
De acordo com Durkheim, os fatos sociais são o modo de pensar, sentir e agir de um grupo social. Embora eles sejam exteriores às pessoas, são interiorizados pelos indivíduos e exercem sobre ele um poder coercitivo.
Resumindo, podemos dizer que, segundo Durkheim, os fatos sociais têm as seguintes características:
Coercitividade: os indivíduos se sentem pressionados a seguir o comportamento estabelecido;
Exterioridade: o fato social é externo ao indivíduo, existe independentemente de sua vontade;
Generalidade: o fato social é comum a todos os membros de um grupo ou à sua maioria.
Assim, para Durkheim é a sociedade, como coletividade, que organiza, condiciona e controla as ações individuais. O indivíduo aprende a seguir normas e regras de ação que lhe são exteriores – ou seja, que não foram criadas por ele – e são coercitivas – limitam sua ação e prescrevem punições para quem não obedecer aos limites sociais. As instituições socializam os indivíduos, fazem com que eles assimilem as regras e normas necessárias à vida em comum.
Sendo assim, devemos entender outro importante ponto da teoria sociológica de Durkheim: a preponderância da sociedade sobre o indivíduo. O indivíduo ao nascer encontra um corpo pronto de regras, valores e condutas – fatos sociais – e a socialização dessas regras são essenciais para sua socialização. No entanto, esse indivíduo, em relação com outros, na medida em que aprende essas regras também é capaz de transformá-las, transformando assim a sociedade. Mas, a sociedade, como um organismo vivo, tende ao equilíbrio, isto é, à construção da harmonia entre seus membros.
Para Durkheim, o principal objetivo da vida em sociedade é a promoção da harmonia da sociedade consigo mesma e com as demais sociedades, e que essa harmonia é conseguida por meio do consenso social, a “saúde” do organismo social se confunde com a generalidade dos acontecimentos. Quando um fato põe em risco a harmonia, o acordo há consenso, e, portanto, a adaptação e a evolução da sociedade; estamos diante de um acontecimento de caráter mórbido e de uma sociedade doente.
Portanto, normal é aquele fato social que não extrapola os limites dos acontecimentos mais gerais de uma determinada sociedade e que reflete os valores e as condutas pela maior parte da população. Patológico é aquele que se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente. Os fatos patológicos, como as doenças, são considerados transitórios e excepcionais.
Por exemplo: vamos analisar o crime. Você acha que ele é um fato social normal ou patológico? Ele está previsto nos valores e nas condutas presentes na sociedade? Ou apresenta-se fora dos limites permitidos na sociedade? Apesar de o crime ser um fato social passível de punição por seus praticantes, ele, de certo modo, está presumido nas condutas sociais. Vamos ver um exemplo: o assalto está previsto nas regras da sociedade? Apesar de não ser aceitável, ele, sim está previsto. Tanto está previsto que há leis que punem seus praticantes.
Ele não é um fato excepcional ou transitório, pois ocorre cotidianamente em nossa sociedade (diariamente ouvimos notícias sobre assaltos a pessoas, furtos, assalto seguido de morte etc.). No entanto, práticas de crime que foge ao controle das regras preestabelecidas, como por exemplo, a generalização da insegurança e da violência, a banalização da criminalização são fatos patológicos que devem ser “tratados” para trazer de volta a harmonia à sociedade.
Assim, fatos sociais normais e patológicos vão sendo definidos e problematizados no desenvolver das relações sociais, nos diferentes tipos de sociedade.
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